Alguns meses atrás assisti a um show do The Who no famoso Isle of Wight Festival, se não me engano em 1970. Todos pareciam estar na mesma sintonia: banda, público, fotógrafos, jornalista, qualquer um que estivesse presente. As pessoas pareciam estar interligadas por algo invisível. Todos riam, pulavam, gritavam, se abraçavam, enfim, todos pareciam simplesmente estarem curtindo aquele momento sem esforço algum. Aquele show, aquelas músicas e aquelas pessoas pareciam fazer intimamente parte de cada ser e fluíam todos juntos, como uma folha em um rio descendo a montanha, indo de acordo com a correnteza. Todos pareciam um único ser livre e em paz.
Nos dias de hoje não me recordo de ver cenas como essas. Tudo o que vejo são pessoas amontoadas gritando enlouquecidamente em direção aos artistas no palco, como se eles fossem deuses ou seres supremos. Não parecem estar na mesma sintonia.
As pessoas lutam entre sí para estarem perto do palco, como se o show só valesse a pena pela simples visão dos artistas, e que se dane a música. Na verdade os próprios artistas parecem estar pouco se lixando para a música, tendo em vista a baixa qualidade das musicas populares hoje em dia. Mas isso é um assunto para outra discussão, o que importa agora é ver que as pessoas não são mais como a folha que desce o rio, ao balanço das águas (ou da música). Análogamente à folha, elas lembram um cachorro nadando contra a correnteza do mesmo rio, lutando para manter seu corpo fora d’água o máximo de tempo possível, sendo incapaz de se entregar ao sabor das águas que suavemente esculpe a montanha em seu trajeto. Para o cachorro, se deixar levar pela correnteza, aparentemente, significaria a morte.
Tudo o que escuto das pessoas que saem ultimamente, para shows, boates ou micaretas, é a pergunta: “Pegou quantos (as)?”. Nada contra beijar, mas pra mim parece que essas pessoas estão num mundo que esta prestes a acabar, e ficam enlouquecidas tentando saciar seus prazeres íntimos o mais rápido possível, sem se importar com uma verdadeira ligação com os seres que estão a sua volta. Para mim a diferença é nítida, beijar não é o mesmo que se interconectar.
Hoje em dia parece estar vigente a “ideologia do fim do mundo”. Não querendo entrar em choque ou analogia com a teoria do aquecimento global e as inúmeras catástrofes previstas para um futuro próximo. A ideologia do fim do mundo que eu sugiro é a idéia de que para ser feliz você tem que fazer ou ter tudo, têm que se sacia de todas as maneiras materiais e carnais, para certas pessoas ate espirituais, possíveis e o mais rápido possível.
Adorava a ingenuidade e simplicidade dos anos 60/70. Claro que as pessoas iam pra shows, se beijavam e transavam, mas o motivo delas estarem lá não era o sexo, era a musica e as pessoas. Parecia ser uma busca por autoconhecimento e pelo sentimento de interligação com aquele bando de gente que nunca se viu na vida mas que tinham muitas coisas em comum, a principal era ser um ser humano. Os festivais na época pareciam conseguir fazer isso. Não o festival, mas as pessoas que iam a ele.
A própria cultura hippie falava da volta à natureza, a uma reconexao com os outros seres vivos que dividem esse planeta com a gente. Acho que os festivais carregavam essa ideologia, as pessoas iam com essa idéia na cabeça e eram sintonizadas pela música...pelas drogas também, talvez, mas a música de repente unia as viagens de todos em uma viagem só, novamente em um único grande ser.
As informações vêm em um fluxo absurdo em nossas mentes. As pessoas trabalham frenéticamente e quando saem de férias continuam frenéticas. Já viu um comercial sobre cruzeiros?Aquele barco tem de tudo pra que você não fique um segundo parado. Carnaval na Bahia? Passe suas férias pulando atrás de um trio elétrico, beba toda a cerveja do mundo e beije o maximo possível. Não há tempo para respirar, parar e pensar na vida e no mundo, realmente tentar conhecer alguém e de voltar à natureza. A ideia de se conhecer parece estar esquecida em baixo dos papeis no escritório ou das janelas abertas do MSN.
Talvez não seja interessante para o sistema que você pare, porque assim, talvez, você consiga ver o quão podre ele é, quão vazia a nossa cultura e nossas ideologias são e, vendo tudo isso, você queira mudar e deixar de alimentar a roda que gira o sistema e as pessoas que ganham com isso vão deixar de ganhar. Sendo assim eles continuam tentando te manter vendado.
Mas novamente não queria entrar nesse ponto agora. Só queria mostrar que a magia dos anos 60/70 parece ter sumido dos ares desse planeta. O clima de revolta, luta pela liberdade e direitos iguais parece ter se evaporado. Talvez as pessoas achem que esses objetivos já foram atingidos e que não é mais necessário lutar por isso. Como elas estão enganadas, nada disso foi conquistado. Ainda estamos amarrados pelo sistema, e cada vez mais a corda parece apertar e as pessoas não conseguem senti-la.
Voltando ao The Who, assistindo e sentindo o clima que estava no ar nesse show fui invadido por um sentimento extremo de busca por liberdade. Senti vontade de estar lá, abraçar todos, pular e gritar, correr pelado no meio da multidão. Pelado significaria ser livre de tudo, seria ser somente um ser vivo, correndo feliz. Pureza e ingenuidade estão contidas nesse ato, ser livre e lindo, como todos os seres desse mundo. Um sentimento muito diferente e muito maior do que sair por aí transando com todos, como se o mundo fosse acabar.
Mas infelizmente esse tempo acabou. A revolta da juventude foi contida e parece estar tudo acabado. Fomos entorpecidos com programas de TV, o sexo foi banalizado, nossas ideologias esvaziadas e as músicas transformadas numa forma de enriquecimento pelos que às fazem. Não temos porque querer nos interligar, não temos pelo que lutar e o que nos unia perdeu-se nesse caos vazio em que vivemos.
Mas não desanime leitor, ainda exista uma fagulha de revolução, e esta pequena chama esta dentro de mim, de você e de todos. Revoltemos-nos individualmente, cortemos as cordas que nos amarram ao sistema e criemos uma consciência própria, já esta na hora de voltarmos a contemplar a natureza e a nós mesmos antes que acabemos. Está na hora de nos interligarmos, de nos amarmos e a todos os seres vivos desse planeta. Ainda há tempo de fazermos nossa própria revolução e, se assim fizermos, todos os dias que levantarmos pela manhã vermos o sol nascer e, sentiremos uma leve brisa da magia dos anos 60, ela ainda estar no ar e será possível senti-la viva dentro de nós.