sexta-feira, 31 de julho de 2009

O ônibus e a borboleta azul

Em uma noite fria de sexta-feira, enquanto muitos vestiam suas fantasias de felicidade, comemorando o final de mais uma semana, três pessoas esperavam.


Talvez esperasse por dias melhores, por um milagre, ou que talvez um pouco da famosa felicidade, estampada em programas e anúncios de tevê, finalmente entrasse em suas vidas. Só posso dizer, com certeza, que essas pessoas esperavam por um ônibus.


Sei disso pois, ao me avistarem, mãe, filho e filha se abraçaram, como se desejassem que eu lhes dissesse que não era preciso lágrimas, que os três poderiam passar aquela noite como uma família, que haveria comida na mesa e camas quentes para a noite.


Porém como meu trabalho é somente pegar e entregar pessoas, tratei de bufar forte e apressar a despedida! Ora, ela é só mais uma mãe, que como muitas outras levadas por mim, está a caminho de mais um turno de trabalho, assim como estou eu!


A estrada sobe e desce por uma serra fria e escura, com árvores e abismo formando um sinistro corredor polonês. O céu fechado não ajuda a minimizar o efeito claustrofóbico do cenário. A minha sede por ferro, concreto e asfalto aumenta. Corro mais rápido. Meu coração de metal bate mais forte. Rujo alto, para espantar o medo do silêncio e da noite.


Porém, quando a mãe e todos nós já pareciam ter aceito nossos amargos destinos, algo de estranho aconteceu. Uma borboleta azul entrou pela janela! Como assim, uma borboleta a noite e dentro de um ônibus?! Pode parecer estranho, mas foi isso que aconteceu.


O pequeno ser voava alegremente dentro de mim, como se seu trabalho noturno a fizesse ainda mais feliz. Olhou todos nos olhos e voou sobre suas cabeças, esquentando corações e arrancando sorrisos. As pessoas se entreolhavam, como se estivessem se vendo pela primeira vez, transmitindo alegria de umas para outras, e para mim.


Pareceu que a estrada se iluminara. O céu, definitivamente abrira. As árvores aplaudiam nossa passagem, e o abismo desenhou lindas imagens do mar. A visita de uma pobre borboleta, feliz com seus afazeres noturnos, foi suficiente para me despertar.


Tão subitamente como sua entrada, foi sua saída. A borboleta voou apressada, provavelmente por eu não ter parado em seu ponto…mas que culpa tenho eu, se estava a me encher de tamanha felicidade? Talvez meu coração tenha mais do que metal e gasolina…


Algo mudou em minha alma. Passei a deslizar pela estrada, saudando outros carros que por mim passavam, transmitindo felicidade. As pessoas dentro de mim já não pareciam tão infelizes com seus destinos. Nunca esquecerei de noite tão bela! Até hoje trabalho feliz, graças a semente que a borboleta azul plantou em meu interior de ferro.


Pena que naquele exato momento, a mãe não pode compartilhar de tamanho sentimento. Exaurida de seu trabalho diurno, a pobre matriarca adormecera. Quem sabe o que a borboleta azul poderia ter feito por ela? O trabalho a consume tanto, que não lhe resta energia para enxergar a vida que voa sobre sua cabeça.